quarta-feira, 8 de julho de 2015

Pobre Miguel


O que Miguel buscava na vida era se equilibrar entre o sim e o não. Vivia na corda-bamba das decisões enquanto havia balanço. Deixara de ser um alguém-ponta-firme há muito, talvez nunca o houvesse sido, mas ainda decepcionava os crentes quando não atendia às espectativas. “Ninguém tem paciência comigo” resmungava em uníssono com seus eus, mas não era para sua pessoa que as paciências haviam se esgotado, e sim para suas incansáveis justificativas.
"Vamos Miguel! Vem com a gente!" torciam os fiéis. Porém, “desculpa” ainda era a palavra mais profetizada por seus lindos lábios. O costume em ouví-la era tamanho a ponto de tornar dormente o mais sensível dos tímpanos de seus maiores torcedores.
Miguel não empenhava-se em ser um equívoco, era um ser de alma pura, inocente e infantil até. Emanava um azul índigo evolutivo que ninguém jamais seria capaz de ofuscar, era dono de um coração maior que ele mesmo, incapaz de maltratar o mais acéfalo dos seres. Esperto toda vida, era cria da especial conjuntura do universo com libra em sagitário, não havia de dar um passo em falso por toda sua vida se não fosse poderoso infortúnio. Poder esse dado apenas aos que amam e amor emanam, e que com tal poder não sabem lidar.
Foi um rombo no peito, esse feito por um coração em desalinho, que desandou nosso amado Miguel. Não havia de ser assim se ambas as partes soubessem lidar com tamanho furor, mas como previsto por Shakespeare, “só ri de uma cicatriz quem nunca foi ferido”
Assim, decepcionado seguiu Miguel, a ponto de encabeçar a vida atrás de lentes de vidro e de desculpas para não olhar para si mesmo, facilitando seu dia-a-dia, um eterno fim de domingo que era sua vida a partir de então.
Digo fim de domingo pois é nesse momento, perto das 18h que o espelho reflete o que nos habita. Quem é de conchinha, encoxado está. Quem é de solidão, repara no relógio o tempo que não passa, a semana que reinicia, a vida que acontece enquanto o sofá fica cada vez mais fundo, cada vez mais marcado com o formato do próprio corpo sem novidades para contar.
Miguel haveria de viver assim por anos, desesperançado, oco, infértil. Miguel é um homem como eu e você, cheio de aspirações, desejos e sonhos. Mas Miguel desistiu. E agora, mesmo que reencontrasse a cura para seus buracos, não hesitaria em continuar onde está. Sentia segurança na tristeza e conforto na dor. Finalmente escolhera; o ‘não’ lhe caia melhor agora.
Pobre Miguel.