quarta-feira, 5 de agosto de 2015

era larica.


Você não seria capaz de fazer diferente.”

Ecoava essa frase na mente de Tito como se não pudesse ser de outro jeito. Ele lembrava das últimas palavras de sua Afrodite particular e chorava.

Tito vivia um amor que não existia mais. Antes mesmo de ter cometido a gafe que jurava não ter cometido, já matou o amor por não pensar na dureza.

E agora se afogava em diálogos que repetia para si. E vivia o cheiro do que não tinha mais perfume. Acendeu um beck.

Puta pindaíba do caramba essa coisa de ainda viver o que não tem mais vida. E será que não há vida na morte?  Do que seriam feitos os zumbis?

“Acho que eu sou um zumbi. Um pedaço de carne morta-viva que não se preocupa em acordar para trabalhar, ganhar dinheiro, escovar os dentes, pentear o cabelo, cortar as unhas, limpar as unhas, passar desodorante,  eu sou um zumbi fedido a beça, passar fio dental,  trocar de meia, trocar de cueca, eu sou um zumbi nojento, trocar lençol, um zumbi cheio de micose de pele, bicho geográfico, berne,  frieira, chato, coceira, pereba, meleca, merreca, munheca, moqueca, moída, carne moída, carne assada, carne de panela com batata baroa, bife acebolado, filet de picanha, de patinho, de baby beef mal passado sangrando quase berrando com um pãozinho pra molhar no molho e comer o molho com purê, ovo, batata frita, porção de feijão não pode faltar de jeito nenhum, até abro a mão do arroz mas não do feijão, ai que saudade dela.”

Subiu na moto e atravessou São Paulo até Santos. “Não seria capaz de fazer diferente? O que você acha de eu bater na sua porta agora, fim de domingo? Você deve ta assistindo o ‘Repórter Por Um Dia’ no Fantástico com a sua família na sala completamente de bode e eu vou chegar ofegante, cantando a nossa música já da rua para te surpreender. Você adora surpresas e vai ficar vermelha, mas aquele vermelho que passa porque gosta da surpresa. Você ta pronta para isso? Pra esse novo eu?” 

Parou na padaria que sempre comiam quando desciam para a praia e pediu uma coxinha com requeijão. Aquela coxinha suculenta era única. Não tinha outra igual.

Comeu três, embrulhou duas para a viagem e nunca mais pensou em sua Afrodite.

Santa padoca.

quarta-feira, 8 de julho de 2015

Pobre Miguel


O que Miguel buscava na vida era se equilibrar entre o sim e o não. Vivia na corda-bamba das decisões enquanto havia balanço. Deixara de ser um alguém-ponta-firme há muito, talvez nunca o houvesse sido, mas ainda decepcionava os crentes quando não atendia às espectativas. “Ninguém tem paciência comigo” resmungava em uníssono com seus eus, mas não era para sua pessoa que as paciências haviam se esgotado, e sim para suas incansáveis justificativas.
"Vamos Miguel! Vem com a gente!" torciam os fiéis. Porém, “desculpa” ainda era a palavra mais profetizada por seus lindos lábios. O costume em ouví-la era tamanho a ponto de tornar dormente o mais sensível dos tímpanos de seus maiores torcedores.
Miguel não empenhava-se em ser um equívoco, era um ser de alma pura, inocente e infantil até. Emanava um azul índigo evolutivo que ninguém jamais seria capaz de ofuscar, era dono de um coração maior que ele mesmo, incapaz de maltratar o mais acéfalo dos seres. Esperto toda vida, era cria da especial conjuntura do universo com libra em sagitário, não havia de dar um passo em falso por toda sua vida se não fosse poderoso infortúnio. Poder esse dado apenas aos que amam e amor emanam, e que com tal poder não sabem lidar.
Foi um rombo no peito, esse feito por um coração em desalinho, que desandou nosso amado Miguel. Não havia de ser assim se ambas as partes soubessem lidar com tamanho furor, mas como previsto por Shakespeare, “só ri de uma cicatriz quem nunca foi ferido”
Assim, decepcionado seguiu Miguel, a ponto de encabeçar a vida atrás de lentes de vidro e de desculpas para não olhar para si mesmo, facilitando seu dia-a-dia, um eterno fim de domingo que era sua vida a partir de então.
Digo fim de domingo pois é nesse momento, perto das 18h que o espelho reflete o que nos habita. Quem é de conchinha, encoxado está. Quem é de solidão, repara no relógio o tempo que não passa, a semana que reinicia, a vida que acontece enquanto o sofá fica cada vez mais fundo, cada vez mais marcado com o formato do próprio corpo sem novidades para contar.
Miguel haveria de viver assim por anos, desesperançado, oco, infértil. Miguel é um homem como eu e você, cheio de aspirações, desejos e sonhos. Mas Miguel desistiu. E agora, mesmo que reencontrasse a cura para seus buracos, não hesitaria em continuar onde está. Sentia segurança na tristeza e conforto na dor. Finalmente escolhera; o ‘não’ lhe caia melhor agora.
Pobre Miguel.


quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

A Apneia Fantástica de Ramozin


-Não que se possa mensurar o tamanho da entrega de cada um, mas exatamente por isso, a entrega deveria ser considerada um ato sacro. Algumas situações mereciam ser proibidas de existir-  

Ramozin acordou naquela manhã num susto. O ar estava espesso e mais denso que o normal. Uma penumbra esbranquiçada cobria seu quarto, ainda olhou pela janela e percebeu que o céu estava baixo. Um beija-flor o encarava, mas sua cabeça latejava e com os olhos envesgados não houve consciência para estranhar um beija-flor pairando na janela do 18° andar.   
O Gato Negro no criado mudo estava pelo último terço, na barra de chocolate a silhueta dos seus dentes. Na bancada papéis amassados, canetas coloridas, revistas, impressões, rascunhos. Em meio a todos, um rabo de peixe se perdia em mar de traços e pó de borracha.
Sentou-se e buscou o celular. “Vivo?”, “Sonhei contigo”, “Dá pra me deixar em paz?” perguntavam. Apoiou o aparelho na cama e uma onda súbita de choro o tomou intensamente. Não sabia dizer exatamente porquê chorava, mas a pressão na sua nuca era imensa e resolveu não prender, pelo menos dessa vez não tinha como. “Olhos embotados de cimento e lágrima”, pensou. Enxugou o rosto após alguns soluços e fingiu estar inteiro para não adentrar assuntos que julgava desnecessários para qualquer outro que não a si mesmo.   
Ramozin era um homem interessante, mas teimava em fazer escolhas ruins. Não que sua intenção não fosse nobre, mas suas atitudes certamente não eram. Na burocracia da vida era um CPF exemplar: trabalhava duro, exigia de si, dividia coisas em parcelas eficientes, seus passos condiziam com suas pernas. Cumpria as funções de filho/sobrinho/neto com presença relativa, e se não era o corpo, um cheque o representaria para acalmar os aflitos. Não era uma pessoa fria, mas a individualidade armara acampamento no seu cotidiano. Tinha vocação para a solidão e preservava seu espaço, como qualquer bom leão. Sua crença maior era o suor. A fé até passou por sua adolecência, mas não foi feito para acreditar. Apenas agia de forma fixa, se enroscando no que esboçava interesse, principalmente se envolvesse um par de olhos claros. Então enroscava-se inevitavelmente.
Entretanto Ramozin nunca entendeu a responsabilidade de envolver alguém, o fazia de forma automática. Não tinha maturidade emocional, então fazia e depois que fazia não sabia mais o que fazer. Assim pulava de colo em colo, acumulando funções nas vidas alheias sem necessariamente ter a consciência disso. Despertava afetos sem intenção de atendê-los, e passado o prazer restava a consciência - e o celular - que lhe incomodavam com pendências emocionais espalhadas por aí. Já acumulara várias delas, já não conseguia dar conta de todas, já enroscara a corda no pescoço de forma lenta; agonizava em suas próprias decisões: “Mais eficaz era tomar um gole de veneno”, refletia. E agora mais que nunca precisava emergir.
Dentro de si uma vibração nascia. Olhou aquele rabo de peixe infindo desenhado no papel e sentiu inveja. Escorregava a ponta dos dedos pelas linhas e desejava deslizar pra longe de si, agarrar-se na cauda de uma sereia e se permitir fluir.
Ouviu som de mar. Estava no meio de uma metrópole, não havia praia em um raio de 90km. Não deu crédito aos ouvidos, então um arrepio caminhou por seus braços. Desconfiou da janela aberta, mas antes de conseguir fechá-la, o estrondo de uma onda quebrou em seus ouvidos. Ouviu seu nome em uma voz doce e distante... “Não”, decidiu. Sacodiu a cabeça, esfregou o rosto e, caminhando ainda sóbrio para o banheiro pode checar as mensagens no celular, que estava mais para um berço de bezerras famintas que um IPhone...
Mas veja, não era sua culpa e sim sua natureza. Ramozin era desses exemplos de loucura que vêm de casa e nos está instrínseco em tal grau que nem percebemos sua influência em nossos atos. Ramozin fora programado para ser confuso, não sabia ser um problema apenas seu e agora começava a vislumbrar seu futuro com mais concretude. Não queria mais ser o que já era, ainda com vontades fixas e comportamentos cíclicos, cultivava verdadeiro desconforto à mudanças, principalmente internas. Difícil mover-se do exato meio do olho do furacão, onde é o ar é parado. Um passo para o lado e a ventania te desequilibra, mas perder o controle nunca estava em seus planos. Então, no olho permaneceria enquanto pudesse, agarrado ao chão.
Entrou no chuveiro, abriu a torneira e a água que dessa vez lhe batizava era salgada. Escorreu por sua língua e ao sentir o gosto salobro Ramozin deu um pulo desesperado, derrubou todos os shampoos da prateleira do box, correu nu pelo corredor até seu quarto, que continuava coberto por uma névoa incomum, cada vez mais leitosa. Parou desorientado, observou as mãos e pode perceber a pele entre seus dedos um pouco mais fina. Pareciam membranas. Então se examinou como podia e percebeu mais algumas metamorfoses em seu corpo. A água do banho fora absorvida por sua pele quase instantaneamente, não estava mais molhado. Pequenos cortes em seu pescoço abriam brânquias, seus pés estavam mais pontudos. Olhou para a bancada e o rabo de peixe esboçado agora tinha cabeça; um olho azul, um olho verde.
Ramozin estava surtado em novidades, não sabia o que fazer. Sentiu seu coração pulsar na garganta, dificultando sua respiração. Quando já se encontrava sufocado de boca aberta ouviu a voz doce chamar seu nome novamente, dessa vez com alguma melodia. “Ainda não”, teimou, como se soubesse o que estaria por vir. 
Seguindo o arrepio que domara sua espinha, Ramozin voltou para o chuveiro e agora queria transformá-lo num aquário. “Enquanto o gelo derrete, a água vai subindo” e conforme a água subia por suas pernas escamas brotavam, finalmente. Aquela transformação acontecia diante de seus olhos, doía e não havia nada que ele pudesse fazer. Quando a água atingiu sua cintura, não havia mais sexo entre suas coxas, suas pernas estavam unidas, era impossível se manter em pé e ao cair, mergulhou inteiro naquele pesadelo, deslizando pelo azulejo amarelado do banheiro como quem nunca fez outra coisa, senão deslizar.
Agora embaixo d’água respirava fundo... então nadou.
Atravessou sua casa, submerso. Já não se perguntava o porquê de tudo aquilo, não buscava uma resposta lógica pros acontecimentos. Sabia que era assim que deveria ser, era assim que já era. Da janela da sala pode ver o fundo do oceano onde seu prédio estava sediado, um azul maciço indesvendável. Pode reparar que toda sua rua estava embaixo d’água. Todo seu bairro. Viu o rapaz da academia que morava duas ruas pra baixo também transformado e nadando entre enguias. Uma outra conhecida nadava entre os prédios com um olhar negro abismal, a pele enrugada, cabelos falhos e ralos...
Um peixe cruzou seu olhar. Tinha um olho verde e um olho azul. Era o seu desenho que ganhava vida e o guiaria para longe dali. Sem repensar, Ramozin o seguiu veementemente e agora nadava também entre mulheres: Iaras, Jussaras, Janaínas... Era um mundo inteiro de ninfas perigosas, mentirosas, irresistíveis. Carregavam consigo náufragos, desorientados, marinheiros indecisos, homens mal resolvidos, ingênuos. Emitiam sons deliciosos e pertubadores, enroscavam-se nas correntes de água quente que cruzavam o fundo do mar, seduziam e aprisionavam quem ousasse encará-las. E como não encará-las vertiginosamente? Eram um vetor de atração poderosíssimo! Ramozin era familiar com a vida submersa, era amante da água salgada, sabia dos perigos dos âmbitos inconscientes do mar. Sentiu-se aliviado por estar ali embaixo, finalmente respirando fundo o sal que lhe fazia falta. Então entendeu que era feito de sal e que do mar não poderia se afastar. Filho e prisioneiro. Irmão e algoz. Castigo e calento. Fé e liberdade. “O que me falta?”, se perguntou. Então reconheceu a voz doce que chamava seu nome mais cedo e não pode evitar a hipnose: o som vinha da sereia mais intrigante que sua imaginação permitiria criar. Não saberia descrevê-la, era um ser sensorial e encantador, de cauda longuíssima que brotava, não de sua cintura, mas de sua cabeça. Se misturava em cabelos ondulados que boiavam em torno do seu corpo. Seus seios apontavam para o ego de Ramozin, eram como frutas maduras, estava completamente nua. Os olhos da ninfa eram o abismo que qualquer homem teme. Mas Ramozin não tinha mais medo. Sentia-se fortalecido por estar ali e quis chegar bem perto, absorto, embalado pela melodia dulcíssima que aquela criatura misteriosa emanava. 
Precisaria beijá-la, seria o último de sua vida. Aproximou-se irresponsavelmente, como uma vespa atraída para a luz. Magneticamente.
Podia sentir a pressão do corpo daquela criatura, era imensa, o atraia como um satélite se atrai para um planeta. Sugava o corpo de Ramozin com força, abusada. Ramozin sentia um misto de medo sedutor e excitação infantil. Sentia ânsia de vômito. Sentia febre. Sentia paixão. Sentiu que sucumbiria.
Nadou em sua direção, vidrado. Segurou seu rosto da forma mais doce que já tocara alguém. Sinapses fortíssimas invadiram seu cérebro em forma de choques. Fora eletrocutado. Envolto por uma moleza descomunal, desmaiou nos braços mais delicados que já tocaram alguém. Ainda pode sentir unhas penetrando a pele de suas costas, cabelos entrando por sua garganta, melodia invadindo seus ouvidos, olhos completamente revirados. Roubando seus sentidos, completamente envolvido e sem forças, foi beijado pela sereia com hálito de morte e morreu em seus braços, aprisionando sua alma ao fundo do mar para a eternidade.
Num delírio sufocante, acordou. Olhou em volta. O Gato Negro estava lá pelo último terço, os rascunhos, o rabo de peixe inacabado. Seu celular vibrou: “vivo?”, “sonhei contigo”, “dá pra me deixar em paz?” perguntavam. Largou o aparelho no criado mudo, juntou umas mudas de roupa e foi pro mar atrás da sereia de voz doce.

aconteceu com Marília

Marília era comum.
Nasceu em uma família morna no interior do Rio de Janeiro e se mudou pra cidade quando ainda tinha dente de leite. Vivia uma fase de pseudo liberdade pós carteira de motorista e naquela terça chuvosa acordou meio barro - meio tijolo e resolveu sair de casa sem dar bom dia.

Do outro lado da cidade, Jorge que vinha de família cética e leitora de poesia de jornal de domingo, experimentava uma fase meio lobo. Deixou a barba crescer e seus cabelos estavam um pouco mais animados como se quisesse realçar um cheiro natural de testoterona. Mas não foi até aquela terça chuvosa no Starbucks de Ipanema que Jorge pode reparar o olfato sensível de certa moça praquela imposição de macheza toda.

Marília se ocupava de decidir se pediria leite de vanila no café ou não quando sentiu uma vontade súbita de olhar pra trás. Jorge estava ali encarando sua nuca e agora surpreso por ser pego em flagra ficou inquieto sem saber o que fazer com sua curiosidade. Marília virou rapidamente pra frente em puro reflexo e tornou a olhar pra trás lentamente, intrigada. Encaram-se desavergonhadamente por 3 segundos e a crítica os posicionou de volta na fila. Jorge sentiu o cheiro que vinha do cabelo loiro de Marília. Nunca se atraia por loiras, são sempre tão aguadas, mas dessa vez se pegou com vontade de enfiar o nariz naquelas mexas amareladas. Então simplesmente cedeu à vontade e se inclinou de leve num ato corajoso. "Madeira", pensou. Marília então passou a mão pelo cabelo e esbarrou com o nariz de Jorge quase alojado ali.

- Desculpa!, disse Jorge constrangidíssimo. Desculpas, eu não... eu ...foi mal.

Marília observou a cara de pau daquele homem barbudo e se sentiu estranhamente confortável com aquela situação. Voltou-se pra frente e deu um passo pra trás - em um ato mais abusado que corajoso- encaixando sua nuca no rosto de Jorge, que recebeu aquele passo como uma permissão sincera, não sentiu mais culpa ou constrangimento, agora só respirava fundo. Jorge sentia o cheiro do shampoo de Marília enquanto Marília sentia a barba de Jorge roçar levemente em sua nuca.

- MARÍLIA TALL CAFÉ VANILA! gritou a atendente.

Marília buscou seu pedido, sentou-se em uma poltrona confortável, puxou um livro pra inglês ver e esperou alguma coisa. Jorge foi o próximo e além do café habitual levou um muffin de goiabada para viagem. Não se sentaria ali, iria embora com pressa atrasado para algum momento importante, uma reunião talvez.
Passou pela poltrona e já na janela do lado de fora a olhou novamente. Marília sentava com a coluna ereta quase tensa e aquela última troca de olhares deixaria um incômodo. Jorge seguiu seu caminho de forma automática e agora quem se inclinava era Marília, amassada no vidro da janela ainda pode vê-lo arrancar pela Farme de Amoedo em um Fox vermelho.

Pouco tempo depois Marília já era pedagoga, dava aula pra crianças em fase de alfabetização, vivia cheirando a trakinas e com massinha de modelar embaixo das unhas. Namorou um rapaz chamado Felipe por uns poucos meses e sem se perceber pedia que ele deixasse a barba crescer com frequência. Tinha mania de enfiar seu cabelo no nariz de Felipe e pedir que ele roçasse sua barba em sua nuca. Felipe nunca estranhou tal hábito e o relacionamento acabou por motivos que não vêm ao caso.

A noite de seu aniversário caiu em uma terça. Por insistência das amigas, saiu para beber em um bar no Baixo Botafogo. Não era de seu costume beber numa terça, não quebrava a rotina com facilidade. Mas foi, e ao ir não pode evitar o descontrole alcólico. Acordou na caçamba de uma D-20 cabine simples quente de sol, no aterro do Flamengo. Sua bolsa, e sua calcinha, estavam ali com seus pertences, intáctos. Segundo depoimentos de uma amiga, Marília saiu de carona com o magrelo playboy da mesa ao lado por livre e espontânea vontade. Com o cabelo em desalinho e uma ressaca moral abissal, Marília calçou o sapato e foi embora sem conferir se havia alguém na cabine.

Caminhando embaixo de sol, Marília sentiu sua vida encolher. "Um passo pra trás", pensou enquanto checava as redes sociais para uma infeliz e possível foto que tornaria a noite anterior um fato. Claro que a noite aconteceu e ela não teria como apagar isso de sua memória, mas se pudesse evitar que outras memórias também soubessem, seria a glória. Enquanto direcionava essa energia pro Universo, atravessou distraidamente a Almirante Tamandaré em busca de um táxi vazio e, ao quase ser atropelada por um Fox vermelho, achou ter reconhecido o motorista. “Será que ele ainda dirige esse carro?”. Daquela terça chuvosa em diante passara a procurar o rosto barbudo de Jorge dentro de todos os Foxes vermelhos com/sem bagageiro que cruzavam seu caminho. Perdida em ideias inférteis, olhos fixos no pàra-brisa de seu quase algoz que freiou a tempo, Marília estava tão distante de si que não pode reparar o Versa ouro velho que desviava do Fox vermelho com a intenção de seguir caminho e que também trazia Jorge no volante, já sem barba, aborrecido por não poder viajar no feriado que se aproximava. Estava atrasado com as entregas do escritório.



quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

vou fechar meus olhos agora e quando abrir, 
você estará na minha frente com segundas 
- inquestionáveis - intenções.
você, me olhando. é o que eu quero.
agora, com seus olhos negros.
olhando pra mim.

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