Marília era comum.
Nasceu em uma família morna no interior do Rio de Janeiro e se mudou pra cidade
quando ainda tinha dente de leite. Vivia uma fase de pseudo liberdade pós
carteira de motorista e naquela terça chuvosa acordou meio barro - meio
tijolo e resolveu sair de casa sem dar bom dia.
Do outro lado da cidade, Jorge que vinha de família cética e leitora de poesia de jornal de domingo, experimentava uma fase meio lobo. Deixou a barba crescer e seus cabelos estavam um pouco mais animados como se quisesse realçar um cheiro natural de testoterona. Mas não foi até aquela terça chuvosa no Starbucks de Ipanema que Jorge pode reparar o olfato sensível de certa moça praquela imposição de macheza toda.
Marília se ocupava de decidir se pediria leite de vanila no café ou não quando sentiu uma vontade súbita de olhar pra trás. Jorge estava ali encarando sua nuca e agora surpreso por ser pego em flagra ficou inquieto sem saber o que fazer com sua curiosidade. Marília virou rapidamente pra frente em puro reflexo e tornou a olhar pra trás lentamente, intrigada. Encaram-se desavergonhadamente por 3 segundos e a crítica os posicionou de volta na fila. Jorge sentiu o cheiro que vinha do cabelo loiro de Marília. Nunca se atraia por loiras, são sempre tão aguadas, mas dessa vez se pegou com vontade de enfiar o nariz naquelas mexas amareladas. Então simplesmente cedeu à vontade e se inclinou de leve num ato corajoso. "Madeira", pensou. Marília então passou a mão pelo cabelo e esbarrou com o nariz de Jorge quase alojado ali.
- Desculpa!, disse Jorge constrangidíssimo. Desculpas, eu não... eu ...foi mal.
Marília observou a cara de pau daquele homem barbudo e se sentiu estranhamente confortável com aquela situação. Voltou-se pra frente e deu um passo pra trás - em um ato mais abusado que corajoso- encaixando sua nuca no rosto de Jorge, que recebeu aquele passo como uma permissão sincera, não sentiu mais culpa ou constrangimento, agora só respirava fundo. Jorge sentia o cheiro do shampoo de Marília enquanto Marília sentia a barba de Jorge roçar levemente em sua nuca.
- MARÍLIA TALL CAFÉ VANILA! gritou a atendente.
Marília buscou seu pedido, sentou-se em uma poltrona confortável, puxou um livro pra inglês ver e esperou alguma coisa. Jorge foi o próximo e além do café habitual levou um muffin de goiabada para viagem. Não se sentaria ali, iria embora com pressa atrasado para algum momento importante, uma reunião talvez.
Passou pela poltrona e já na janela do lado de fora a olhou novamente. Marília sentava com a coluna ereta quase tensa e aquela última troca de olhares deixaria um incômodo. Jorge seguiu seu caminho de forma automática e agora quem se inclinava era Marília, amassada no vidro da janela ainda pode vê-lo arrancar pela Farme de Amoedo em um Fox vermelho.
Pouco tempo depois Marília já era pedagoga, dava aula pra crianças em fase de alfabetização, vivia cheirando a trakinas e com massinha de modelar embaixo das unhas. Namorou um rapaz chamado Felipe por uns poucos meses e sem se perceber pedia que ele deixasse a barba crescer com frequência. Tinha mania de enfiar seu cabelo no nariz de Felipe e pedir que ele roçasse sua barba em sua nuca. Felipe nunca estranhou tal hábito e o relacionamento acabou por motivos que não vêm ao caso.
A noite de seu aniversário caiu em uma terça. Por insistência das amigas, saiu para beber em um bar no Baixo Botafogo. Não era de seu costume beber numa terça, não quebrava a rotina com facilidade. Mas foi, e ao ir não pode evitar o descontrole alcólico. Acordou na caçamba de uma D-20 cabine simples quente de sol, no aterro do Flamengo. Sua bolsa, e sua calcinha, estavam ali com seus pertences, intáctos. Segundo depoimentos de uma amiga, Marília saiu de carona com o magrelo playboy da mesa ao lado por livre e espontânea vontade. Com o cabelo em desalinho e uma ressaca moral abissal, Marília calçou o sapato e foi embora sem conferir se havia alguém na cabine.
Caminhando embaixo de sol, Marília sentiu sua vida encolher. "Um passo pra trás", pensou enquanto checava as redes sociais para uma infeliz e possível foto que tornaria a noite anterior um fato. Claro que a noite aconteceu e ela não teria como apagar isso de sua memória, mas se pudesse evitar que outras memórias também soubessem, seria a glória. Enquanto direcionava essa energia pro Universo, atravessou distraidamente a Almirante Tamandaré em busca de um táxi vazio e, ao quase ser atropelada por um Fox vermelho, achou ter reconhecido o motorista. “Será que ele ainda dirige esse carro?”. Daquela terça chuvosa em diante passara a procurar o rosto barbudo de Jorge dentro de todos os Foxes vermelhos com/sem bagageiro que cruzavam seu caminho. Perdida em ideias inférteis, olhos fixos no pàra-brisa de seu quase algoz que freiou a tempo, Marília estava tão distante de si que não pode reparar o Versa ouro velho que desviava do Fox vermelho com a intenção de seguir caminho e que também trazia Jorge no volante, já sem barba, aborrecido por não poder viajar no feriado que se aproximava. Estava atrasado com as entregas do escritório.
Do outro lado da cidade, Jorge que vinha de família cética e leitora de poesia de jornal de domingo, experimentava uma fase meio lobo. Deixou a barba crescer e seus cabelos estavam um pouco mais animados como se quisesse realçar um cheiro natural de testoterona. Mas não foi até aquela terça chuvosa no Starbucks de Ipanema que Jorge pode reparar o olfato sensível de certa moça praquela imposição de macheza toda.
Marília se ocupava de decidir se pediria leite de vanila no café ou não quando sentiu uma vontade súbita de olhar pra trás. Jorge estava ali encarando sua nuca e agora surpreso por ser pego em flagra ficou inquieto sem saber o que fazer com sua curiosidade. Marília virou rapidamente pra frente em puro reflexo e tornou a olhar pra trás lentamente, intrigada. Encaram-se desavergonhadamente por 3 segundos e a crítica os posicionou de volta na fila. Jorge sentiu o cheiro que vinha do cabelo loiro de Marília. Nunca se atraia por loiras, são sempre tão aguadas, mas dessa vez se pegou com vontade de enfiar o nariz naquelas mexas amareladas. Então simplesmente cedeu à vontade e se inclinou de leve num ato corajoso. "Madeira", pensou. Marília então passou a mão pelo cabelo e esbarrou com o nariz de Jorge quase alojado ali.
- Desculpa!, disse Jorge constrangidíssimo. Desculpas, eu não... eu ...foi mal.
Marília observou a cara de pau daquele homem barbudo e se sentiu estranhamente confortável com aquela situação. Voltou-se pra frente e deu um passo pra trás - em um ato mais abusado que corajoso- encaixando sua nuca no rosto de Jorge, que recebeu aquele passo como uma permissão sincera, não sentiu mais culpa ou constrangimento, agora só respirava fundo. Jorge sentia o cheiro do shampoo de Marília enquanto Marília sentia a barba de Jorge roçar levemente em sua nuca.
- MARÍLIA TALL CAFÉ VANILA! gritou a atendente.
Marília buscou seu pedido, sentou-se em uma poltrona confortável, puxou um livro pra inglês ver e esperou alguma coisa. Jorge foi o próximo e além do café habitual levou um muffin de goiabada para viagem. Não se sentaria ali, iria embora com pressa atrasado para algum momento importante, uma reunião talvez.
Passou pela poltrona e já na janela do lado de fora a olhou novamente. Marília sentava com a coluna ereta quase tensa e aquela última troca de olhares deixaria um incômodo. Jorge seguiu seu caminho de forma automática e agora quem se inclinava era Marília, amassada no vidro da janela ainda pode vê-lo arrancar pela Farme de Amoedo em um Fox vermelho.
Pouco tempo depois Marília já era pedagoga, dava aula pra crianças em fase de alfabetização, vivia cheirando a trakinas e com massinha de modelar embaixo das unhas. Namorou um rapaz chamado Felipe por uns poucos meses e sem se perceber pedia que ele deixasse a barba crescer com frequência. Tinha mania de enfiar seu cabelo no nariz de Felipe e pedir que ele roçasse sua barba em sua nuca. Felipe nunca estranhou tal hábito e o relacionamento acabou por motivos que não vêm ao caso.
A noite de seu aniversário caiu em uma terça. Por insistência das amigas, saiu para beber em um bar no Baixo Botafogo. Não era de seu costume beber numa terça, não quebrava a rotina com facilidade. Mas foi, e ao ir não pode evitar o descontrole alcólico. Acordou na caçamba de uma D-20 cabine simples quente de sol, no aterro do Flamengo. Sua bolsa, e sua calcinha, estavam ali com seus pertences, intáctos. Segundo depoimentos de uma amiga, Marília saiu de carona com o magrelo playboy da mesa ao lado por livre e espontânea vontade. Com o cabelo em desalinho e uma ressaca moral abissal, Marília calçou o sapato e foi embora sem conferir se havia alguém na cabine.
Caminhando embaixo de sol, Marília sentiu sua vida encolher. "Um passo pra trás", pensou enquanto checava as redes sociais para uma infeliz e possível foto que tornaria a noite anterior um fato. Claro que a noite aconteceu e ela não teria como apagar isso de sua memória, mas se pudesse evitar que outras memórias também soubessem, seria a glória. Enquanto direcionava essa energia pro Universo, atravessou distraidamente a Almirante Tamandaré em busca de um táxi vazio e, ao quase ser atropelada por um Fox vermelho, achou ter reconhecido o motorista. “Será que ele ainda dirige esse carro?”. Daquela terça chuvosa em diante passara a procurar o rosto barbudo de Jorge dentro de todos os Foxes vermelhos com/sem bagageiro que cruzavam seu caminho. Perdida em ideias inférteis, olhos fixos no pàra-brisa de seu quase algoz que freiou a tempo, Marília estava tão distante de si que não pode reparar o Versa ouro velho que desviava do Fox vermelho com a intenção de seguir caminho e que também trazia Jorge no volante, já sem barba, aborrecido por não poder viajar no feriado que se aproximava. Estava atrasado com as entregas do escritório.
Um comentário:
Jorgeeeeeeeeee
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