terça-feira, 11 de dezembro de 2012

não era amor, era gastrite


Era um daqueles dias chatos quando a solidão densifica o ar e a neblina matinal te reafirma incapaz de alguma coisa. Saí pra tomar um café melancólico com uma amiga alegrinha pra dispersar o mau humor.

Fomos para a cobal do Humaitá farejando cafeína e no caminho só pude sentir o cheiro das recém famílias;  jovens casais com seus bebês empanados em talco, fraldas, maria-chiquinhas e frozen iogurte.
Sentamos em um café empestiado deles. O casal da varanda estava num dos primeiros encontros; o de namorados se lambuzava de brownie; a grávida era quase carregada no colo. Uma familinha no fundo da loja encontrou uma familinha amiga e sentaram-se juntos tipo amiguinhos. Mães de um lado e pais do outro automaticamente. A filha de um deles deixava um rastro de biscoito maizena mastigado pelo chão enquanto a mãe não decidia se desenvolvia o papo sobre alimentação na primeira infância ou se repreendia o caminho ruminado pela transgressora de 2 anos. "Ai ai ais" enquanto a pequena lambia a vitrine gelada de tortas.

Eu observava quieta e aquilo reverberava em mim como um chamado corra para a luz, Caroline. Negócio de hormônio feminino, relógio biológico, colesterol alto sei lá que merda é essa.
Virei o expresso açucarado desejando tequila e um arrepio correu por minha espinha, alojou-se no estomago tipo recém borboletas experimentando suas asas pela primeira vez. Era tanta doçura me cercando que me senti enjoada.
Paguei meu café, deixei a amiga naquele ambiente hostil e fui para o ponto de ônibus em silêncio pensando sobre o dia, melancolia, maizena, amor, eu e ele, liberdade. Calor de trânsito, fim de tarde engarrafada, vontade de vento na cara pra não socar alguém. "Queria um hobbit de estimação pra me transportar alternativamente "

Quando o ônibus chegou a cabine mais parecia um quarto de motel. Luz baixa com um fio de led vermelho contornando o painel do volante, uma ex-morena sentada no motor com as pernas cruzadas em direção ao motorista segurava uma latinha de Itaipava, pagodinho comendo solto. Sim, o piloto estava em um date. Parei abismada na escada para entender aquela cena e o frisson na espinha se repetiu.
"Lerê lerê lerê lê lerê lerê" . Putaquemepariu.
Comecei a ver um deboche ridículo naquelas situações todas, já tava um saco. Queria chegar logo em casa pra acabar com o desconforto gerado por aquele amor solto na atmosfera. Atravessei a catraca meio carente meio puta e segui viagem cada vez mais muda, enjoada, impaciente.

Desci na esquina de casa, senti mais um arrepio e dessa vez ânsia de vômito. Corri por rua portão corredor em um só folego até o banheiro.

Não era amor, era gastrite. 

Um comentário:

Anônimo disse...

"E eu sentado nos fundos daquela cabine móvel, que parecia aqueles barcos vikings de parque em estacionamento de subúrbio, suado e com a camisa aberta até a metade do peito. Tentando encontrar brecha pra olhar aquela que acabara de subir no último ponto. Não chegava a ser flerte, só achei bonitos aqueles olhos, em meio a todo o caos que se instala em coletivo em fim de festa, ou melhor, em fim de expediente. Olhos que expressavam, sei lá, impaciência, insatisfação, TPM? Não sei ao certo, mas havia algo de solidário naqueles olhos, algo que eu também parecia sentir. Descemos no mesmo ponto, ela foi correndo para o lado oposto,eu fui caminhando displicente na direção de uma farmácia. Precisava de um sal de frutas, um anti-ácido, um pantoprazol."