quarta-feira, 9 de novembro de 2011

João Bobo

E assim me despeço de suas atenções, suas mãos carinhosas, suas sardas...
Não as quero mais, não as posso mais querer. Se é preciso escolher entre mim e você, escolho-me inteira. Não quero ser mais metade a esperar metade.
Essa orgia de olhares precisa cessar. Te proíbo de me despir com seus olhos. Me incita a querer ficar nua para que me olhe.
Meu corpo não concebe mais as ordens de minhas idéias. Não quero mais te ver porque apenas te olhar se tornou agressão para meu cotidiano. O pulso descompassa, e me larga assim, descompassada.
O sangue congela, a vista embaça.
Não posso mais...
Preciso do meu pulso, sangue e vista para sobreviver... Te esqueço para não morrer.
Então, por escolher a vida, encerro nossa conexão astrologicamente mapeada.
Ignorarei minhas intuições, não o visitarei mais à noite, seu cheiro não acordará no meu travesseiro. Peço que recolha seus sentidos para que não me mande mensagens por telepatia.
As recebo o tempo todo, desgovernadas. E faça o favor de colocar meu eixo no lugar, exatamente como o encontrou.
Te proíbo também de pensar em mim.
Não é mais permitido desenhar-me em seus pensamentos. Chega.
Migalhas não são banquete. São migalhas.
Digo-te adeus, João Bobo.
Dá aflição querer fazer uma coisa e não conseguir...

domingo, 23 de outubro de 2011

Todas as noites, antes de dormir
acendo umas velas e assisto-as as queimar
até quase pegar no sono...
Necessito contemplar esse fogo,
me alimento dele.
Ultimamente tenho acendido velas.
Serão pecados?
Espero que sim.
Pois entre pecar e não pecar
sou filha de Baco
Me entrego facilmente a ele.
Quase não há resistência como há insistência,
tendência.
E não precisam me perdoar:
nasci absolvida.  

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Bonita Mentira


Olhos doces, mãos pelúcia
Meu querer é vontade ansiosa
De te ver me querendo

Beijo veludo, voz camurça
Palavra formada que diz e evoca
Choro aguado sangrento

Sonhos de utopias divinas
De vidas ainda não vividas
Dizem-me com orgulho turquesa
Que minha posse é maldita

Ai de mim, ao ouvir tal certeza
Certeza virgem em tom de palpite
E melam teu coração de cereja
Com idéia ansiosa de amor livre

Ai de mim, um cubo de açúcar
Acostumado com ângulo esquina
Embebido no teu livre melado
Desfiz-me toda em redonda malícia

Quis vestir sedutora camisa
Correr para alcançar teu velho passo
Mas logo me veio carapuça caqui
E espremeu meu andar cansado

E meus pobres olhos daltônicos
Teu melado amargo cegou
Tua bonita mentira é colorida
O que era doce se acabou

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Não pisarei em corações alheios
Eles me confundem
Me fazem querer ficar
e depois sair correndo...


E depois voltar.
E ficar. E ficar.


Mas isso não é bom.
Não podemos porque... porque...
Assim foi determinado
Determinado por nós
E agora nós nos queremos
Mas nós não deixamos
Porque nós determinamos
E determinamos porque... porque...
Porque queremos. Nos queremos
E queremos porque determinamos
Determinamos que nos queremos
E por isso não é bom.


Essa conta está demasiada difícil.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Otária.


Dia dos Pais. Metrô. Baldeação da linha verde para amarela. Estácio. Carro vazio e parado esperando mais uma leva de passageiros vindos da linha verde. Ana com seu IPod ouvindo “Love and Marrige” por Frank Sinatra. Ana senta-se em um bloco de quatro cadeiras, na segunda da direita. Na extrema esquerda, Mirela com o cabelo levemente desarrumado, vestido florido e algumas bolsas na mão. Final de campeonato carioca.
                   
Mirela (ignorando o IPod de Ana) – Hoje o metrô ta vazio, né? Achei que não fosse conseguir sentar, ta sempre tão cheio.

Ana (com o IPod no ouvido) – Uhum.

Mirela – É que ta sempre cheio...

Ana – ...

Mirela – Você acha que daqui à Coelho Neto são 40 minutos mesmo? Foi o que me disseram...

Ana sorri simpática mas sem ouvir muito o que Mirela diz

Mirela – Mas só se sair agora, senão vai demorar os 40 minutos mais o tempo que ficou parado, né.

Ana -...

Ana ainda de IPod e Mirela extremamente comunicativa na intenção de desabafar algo.

Mirela – Meu pai que mora em Coelho Neto. Foi pra lá depois que se separou da minha mãe. É longe, é um saco, mas hoje é dia dos pais, então vamos almoçar juntos. Você ta indo ver seu pai?

Ana (que só ouviu a última frase) – Não, to indo ver o jogo do Flamengo. Meus pais não moram no RJ.

Mirela – Na verdade eu ia jantar com ele porque dormi na casa do meu namorado que chegou de viagem ontem à noite, mas a gente brigou e eu liguei pro meu pai e pedi pra transferir a janta pro almoço. Você não vai ver seu pai hoje?

PAUSA


Ana -... Não.

Mirela – Por que não?

Ana – Meus pais não moram no RJ.

TEMPO

Mirela – Pra você ver como ele é safado. Eu não entendi nada daquele papo no início, depois foi ficando estranho. Ele veio com umas perguntas que não iam dar um caldo bom. De cara eu vi que tinha alguma coisa errada.

Ana começa a se interessar pelo papo

Ana – O almoço com o seu pai?

Mirela – Não, o meu namorado! Passou três meses fora e quando chegou ontem a noite veio me perguntar se eu tinha conhecido alguém, se eu tinha me interessado por alguém enquanto ele tava fora.

Ana – Se ele perguntou...

Mirela (quase cortando Ana) - Pois é! Mas eu ia fazer o quê? Mentir? Falei pra ele que me interessei por meu instrutor lá da firma, entendeu? Que a gente se viu todo dia, entendeu? Que ele me levou pra jantar SIM algumas vezes e que uns beijos rolaram também, sabe? Eu ia mentir? Eu ia mentir pro meu namorado, meu cúmplice, meu parceiro que eu não via há três meses?

Ana – Não sei, talvez...?

Mirela (já exaltada) – Pois é, talvez!

TEMPO

Ana – Mas você falou?

Mirela (imediatamente, quase cortando Ana) – Falei.

TEMPO

Ana – E o que ele disse?

Mirela murmura alguma coisa e faz um gesto com a mão dando entender que ela não quer falar sobre o assunto, dramática. Ana recua no assento, um pouco decepcionada em não saber como a história termina. Depois de um tempo Mirela se recompõe e resolve falar


Mirela - Ele disse que sabia, que sentiu uns treco, calafrio, dor de barriga, sei lá o que mais e sabia que era a dor da traição nascendo nele. Disse também que se apaixonou perdidamente por uma colega de trabalho, mas como não sabia se ia dar certo ou não, resolveu fazer nada. Não pegou, não beijou, nem em cima deu. Mas não tinha como não me contar porque ele acredita que as coisas tem que ser ditas e discutidas e sem segredos nosso amor durará por mais tempo, mas eu acho que depois disso acabou. O que você acha?

Ana respira e se mexe na cadeira como quem vai começar a falar, mas Mirela, angustiada, a corta.

Mirela – Porque se não acabou eu to enrolada, entendeu? Eu to toda desarrumada, olha só! Coloquei a mesma roupa de ontem, liguei pro eu pai e vim-me embora. Me senti ultrajada, expulsa de lá. Eu ia fazer o quê? Ficar olhando pra cara dele até a dor da traição voltar? Não... me senti desonrada, pequena, estrupício, urubu do presépio. Arroz. Sabe arroz? Arroz.

Metrô para. Estação de Ana. Ana se levanta, vai até a porta, saindo.

Ana – Otária.

Sai.

Fim.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

A fomentar

Vivendo
em mim
estava
sem esperar
sem procurar
só a pensar

andando
ali
passava
a questionar
a incitar
a me chamar

correndo
fui
alada
a respirar
a desejar
só a olhar

pensando
ser
Odara
sem ponderar
atravessar
e me arriscar

olhando
me
devora
a imaginar
a relembrar
e salivar

dizendo
que
adora
a sublinhar
a fomentar
a confessar

lembrando
se
demora
a lamentar
desabafar
e atrasar

mancando
foi
embora
sem constatar
 adivinhar
ou desdenhar

quarta-feira, 25 de maio de 2011

João de Amor; Maria de Dor

Mania de Maria, de querer ser João
João é leve
João é breve
Cheiro infindo sensação
Sopro de cócega permissão

João morreria sem Marias como são
Maria é doçura
Maria é tortura
Vida solar solução
Descanço secreto amarração

*

Destino de João, de querer ser Paixão
João é olhar
João é tocar
Pulmão pulsando coração
Coração pulmando pulsação

Maria saberia se não lhe dissesse João
Maria vê
Maria crê
Broto de rosa intuição
Mente alma palma da mão

*

João distraído em complicada atração
João de agarrar
João de sonhar
Impulso deságua ação
Cama viva cordão

Maria de vestido em meio a multidão
Maria dança
Maria trança
Calma elegante tentação
Caos ruído contra mão

*

João dividido entre o sim e o não
João de perigo
João proibido
Ar em assalto confusão
Sangue correndo percussão

Agonia de Maria, de só ser sofreguidão
Maria que ama
Maria que chama
Dor de mulher furacão
Medeia versus Jasão

*

Mania de Maria, de querer ser João
João é quente
Maria é semente
Reina queima fecundação
Foco toco adoração

João morreria sem Marias como são
João de maldade
Maria de saudade
Paciência calma proteção
Yemanjá colo oração

terça-feira, 17 de maio de 2011

- O que eu teria dito -

Não deita nesse colo aí que já não te comporta mais. Você cresceu, inflou. Precisa de espaço para que nasçam novos limites em outros terrenos.
Agora há um novo par de lábios a te umidecer. Olhos de natureza a percorrer suas nuances. Seus suspiros, seus suores, sua saliva... Nada em você reconhece mais o endereço antigo. E nem deveria... Se seu corpo só esquenta contra o meu, o que seu calor haveria de fazer por aí? No mundo há tantos corpos, tantas misturas. Por que se ater ao singular quando o plural está pulsante, colecionando singularidades mis? E eu já vi sua pluralidade, então não a negue. Ignorá-la é incitar alergias no plexo solar, sonhos desvirtuantes, tentações. E há tantas coisas em comum, tantas coinscidencias... Aqui ninguém gosta de arroz. Ou de roupas. A gente te prefere nu. A gente também gosta de só dormir agarrado, de arrebentar calcinhas, de atirar travesseiros, de usar bigodes, de dançar quando tocam música. A gente também adora te beijar. Costas, pescoço, peito, barriga, pernas, dedos, palmas, lábios, lábios, lábios... São tantos lábios...
Já me disseram que só há dor onde há resistência. Então, quando a confusão passar, de certo passará, e você voltar a sorrir sinceramente, abra os olhos e enxergue que o pedaço que está faltando aí é o fluxo que você teima em não obedecer, destruindo a organicidade sensorial natural da vida. Ele virou liberdade com gosto de pele. Minha pele. E eu te desafio a vir buscá-lo.

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Manhosa 1.

Um dia, gatinha manhosa, eu prendo você no meu coração. Quero ver você fazer manha então...”, ele cantava para ela diariamente. Ela ria, mostrava a língua, franzia o nariz em inocente desdém. Não queria mais ser tratada como uma criança, apesar de ter deixado a infância apenas em sonhos que se tornariam brutalmente lúcidos mais tarde, como em susto, por obrigação.
Ele jamais a trataria de outra forma que não a de um urso apegado a um filhote de gato, ou gata. Protegendo com enormes e desajeitadas patas um ser que em sua palma peluda e virgem se aconchegava em paz e dormia o mais leve dos sonos, imaculado. Ele o lamberia em banho, cuidaria de uma ferida ou outra que o viver teimasse em lhe dar, saciaria sua fome e sede, o deixaria viver em qualquer parte do seu corpo como o bel prazer lhe coubesse.
E assim seria enquanto ele vivesse.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

"A Serenata"

"Uma noite de lua pálida e gerânios
ele virá com a boca e mão incríveis
tocar flauta no jardin.
Estou no começo do meu desespero
e só vejo dois caminhos:
ou viro doida ou santa.
Eu que rejeito e exprobo
o que não for natural como sangue e veias
descubro que estou chorando todo dia,
os cabelos entristecidos,
a pele assaltada de indecisão.
Quando ele vier, porque é certo que vem,
de que modo vou chegar ao balcão sem juventude?
A lua, os gerânios e ele serão os mesmos
- só a mulher entre as coisas envelhece.
De que modo vou abrir a janela, se não for doida?
Como a fecharei, se não for santa?"


Adélia Prado
Quero me ter e te ter não me detém.
Não me tenho, pois não se pode ter o que não se apreende.
Um não sei verbalizado, mimado. Gelado.
Não se cabe em mãos ou órgãos. Está no ar.
Quando se inspira e infla. Nos músculos deconhecidos. Em têmporas...
Caia em mim e em si. Demore em mim que solto a ti.
Solta-me a mim também! E sejamos brisa eu e tu, como num só respiro eterno.
Árvores divinas. Vivos.